Economista, especialista em Mercados Financeiros e Análise Económica e aluno de doutoramento no ISEG, João Alcobia, sócio SCP nº64.801, regressa ao blogue PeloMeuSporting para analisar o Relatório & Contas | Resultados 2022/2023, do SCP.
A época 2022/2023, num prisma meramente desportivo, pode ser entendida como um tremendo insucesso, pois o Sporting não conquistou qualquer troféu e ficou em 4º lugar na Liga Bwin.
Já pelo prisma financeiro, no período correspondente ao ano 2022/2023, o Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD (Sporting SAD) apresentou um resultado líquido de 25 milhões, o que permitiu que os Capitais Próprios apresentassem valores positivos pela primeira vez desde o ano 2016/2017. Os níveis dos Capitais Próprios no referido período foram de 8,9 milhões de euros.
Passemos ao destaque de alguns pontos do Relatório & Contas | Resultados 2022/2023
As vendas de jogadores:
Para este resultado líquido positivo foi fundamental a venda de jogadores num montante de 83,8 milhões de euros. Das vendas existentes destacam-se a de João Palhinha e de Matheus Nunes. Também importante foram as receitas provenientes da presença na Champions League e Europa League que corresponderam a 38,9 milhões no ano em causa. Ainda assim trata-se de uma importante redução face ao período homólogo que tinha sido de 45,9 milhões de euros, devido à não passagem do Sporting aos oitavos de final da Champions League.
A indemnização recebida:
Outra situação com impactos positivos nos resultados líquidos do presente ano foi o facto de o Sporting ter recebido do LOSC Lille um pagamento de 19.670 milhares de euros. Este valor é referente à resolução unilateral do contrato de trabalho do jogador Rafael Leão e acrescem-lhe 533 milhares de euros pelo facto do salário do jogador estar penhorado a favor da Sporting SAD. Apesar desta situação, o Sporting continua nas instâncias competentes, a reclamar do LOSC Lille o pagamento de indemnização no montante mínimo de 45.292.516 euros, no âmbito da resolução unilateral do contrato de trabalho do referido jogador.
Os resultados operacionais:
No período em causa ocorreu uma melhoria do Resultado Operacional, passando este de 35,7 milhões de euros no período homólogo para 40,5 milhões de euros na época 2022/2023.
Ao contrário do sucedido no ano anterior, os Resultados Operacionais sem a transação de jogadores foram de 5.908 milhões de euros negativos (no ano anterior tinham sido de 11.951 milhões de euros positivos). Para a deterioração deste indicador foi muito importante o grande aumento dos gastos com Fornecimentos e Serviços Externos e dos Gastos com Pessoal, mais detalhado posteriormente.
O volume de negócio anual atingiu 222 milhões de euros, um incremento considerável face ao período homólogo que tinha sido de 181,9 milhões de euros. Para este aumento foi muito importante o acréscimo de 33,4 milhões de euros na transação de jogadores (de 59,3 milhões na época 2021/2022 para 96,9 milhões de euros na época 2022/2023).
A recompra dos VMOC:
Nesta época de 2022/2023 deu-se o reforço da participação do SCP na SAD, passando de 63,8% para 83,9%, através da conversão dos VMOC em ações da SAD, materializando-se o aumento de capital social de 67 milhões de euros para 150,6 milhões de euros.
O balanço do Sporting SAD no ano 2022/2023, comparativamente com o ano anterior:
Analisando o balanço presente no Relatório & Contas | Resultados 2022/2023, constata-se que o ativo teve uma evolução negativa, passando de 320.083 milhões de euros em junho de 2022 para 317.916 milhões de euros em junho de 2023.
Para esta evolução negativa do Ativo foi relevante a variação das seguintes rubricas:
– O valor dos Outros Ativos Não Correntes passou de 15.544 milhões de euros em junho de 2022 para 3.876 milhões de euros em junho de 2023;
– A conta Clientes passou de 21.046 milhões de euros em junho de 2022 para 16.012 milhões de euros em junho de 2023.
Em ambos os casos, a razão para a diminuição do valor destas rubricas são devidos a algumas dívidas decorrente da venda de jogadores do Sporting a outros clubes (nomeadamente o Paris Saint Germain) já terem sido pagas.
No caso dos Ativos Intangíveis (uma rubrica contabilística que atribui um valor ao plantel da equipa profissional), ocorreu um ligeiro aumento no presente ano, passando de 94.190 milhões de euros para 99.075 milhões de euros.
As principais compras de jogadores durante o ano foram:
– Ousmane Diamondé – com um valor total de aquisição de 8.237 milhões de euros correspondendo a 100% dos direitos económicos;
– Francisco Trincão – com um valor total de aquisição de 7.000 milhões de euros correspondendo a 100% dos direitos económicos;
– Sotiris Alexandropoulos – com um valor total de aquisição de 4.069 milhões de euros correspondendo a 100% dos direitos económicos;
– Hidemasa Morita – com um valor total de aquisição de 3.545 milhões de euros correspondendo a 100% dos direitos económicos;
– Arthur Gomes – com um valor total de aquisição de 2.963 milhões de euros correspondendo a 100% dos direitos económicos.
Foi ainda aumentada a participação nos direitos económicos de:
– Pedro Gonçalves – incremento de 40% dos direitos económicos por um valor de 7.996 milhões de euros;
– Manuel Ugarte – incremento de 30% dos direitos económicos por um valor de 6.500 milhões de euros.
Uma das razões para a temporada anterior ter sido um fracasso deveu-se a algumas aquisições, nomeadamente as de Sotiris Alexandropoulos e Arthur Gomes. Foram apostas pouco sucedidas, não tendo por isso prosseguido para a época futebolística seguinte. Ambos os jogadores foram, entretanto, emprestados. Ousmane Diamondé, apesar de se tratar de um jogador com mais-valia inquestionável, apenas ingressou no Sporting na janela de transferências de janeiro de 2023.
É de sublinhar a política implementada de incremento da percentagem dos direitos económicos de jogadores de inegável qualidade, porque no futuro poderá possibilitar a obtenção de mais valias superiores. De referir ainda que as aquisições de Viktor Gyökeres, Morten Hjulmand e Iván Fresneda ocorreram em momento posterior ao referido exercício económico.
O facto da Sporting SAD dispor de uma academia de formação de referência mundial é um fator justificativo da generalidade dos jogadores da equipa profissional apresentarem um valor líquido contabilístico de jogadores inferior a 1 milhão de euros. No universo total de 85 jogadores, 69 estão nesta situação. Existem 9 jogadores a valor entre 1 e 5 milhões de euros e apenas 8 jogadores a apresentar um valor superior a 5 milhões de euros.
Capital Próprio:
No que respeita ao Capital Próprio, a principal alteração verificada foi a transferência de “Capital de Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis” (de 127.925 milhões de euros para 47.900 milhões de euros) para “Capital Social” (passaram de 67.000 milhões de euros para 150.572 milhões de euros). Com a finalização deste processo, e com a compra dos VMOCs, o Sporting mantém a maioria do seu capital, situação que poderia ser prejudicial como se verificou num conjunto alargado de clubes em Portugal (Belenenses, Aves, Cova da Piedade, entre outros). Desta forma, deu-se um aumento da participação na SAD, pelo Sporting, passando de 63,8% para 83,9%.
O Capital Próprio foi influenciado positivamente pelo nível dos resultados transitados, que passaram de 243.483 milhões de euros negativos para 222.028 milhões de euros negativos, beneficiado pela inclusão dos resultados líquidos do período anterior em resultados transitados.
Passivo:
No que diz respeito ao Passivo, o Relatório & Contas | Resultados 2022/2023 mostra uma tendência de decréscimo, passando de 336.386 milhões de euros para 309.016 milhões de euros.
Para a diminuição do montante do Passivo da Sporting SAD foi relevante a:
– Diminuição do montante de rubrica relativa a Financiamentos de Longo Prazo de 101.822 milhões de euros para 78.243 milhões de euros. Esta situação ocorreu devido à redução dos montantes em Factoring/Titularização de Créditos (passou de 62.329 milhões de euros para 38.396 milhões de euros).
– Diminuição do montante da rubrica Fornecedores (passando de 71.785 milhões de euros para 61.477 milhões de euros).
Alguns dos Fornecedores mais relevantes da Sporting SAD foram clubes, nomeadamente:
– Famalicão FC SAD (montante de 10.151 milhões de euros);
– FC Midtjylland (montante de 3.300 milhões de euros);
– FSV Mainz 05 (montante de 2.925 milhões de euros);
– FC Barcelona (montante de 2.800 milhões de euros).
Outros exemplos de Fornecedores são entidades como “Empresas ou Agentes”, nomeadamente:
– Gestifute – Gestão de Carreiras Desportivas, S.A (montante de 4.855 milhões de euros);
– MRP Positionumber FZE (montante de 2.865 milhões de euros);
– Nomiblue Sport S.A. (montante de 1.300 milhões de euros).
Outros Passivos Não Correntes:
A rubrica Outros Passivos Não Correntes aumentou de 64.982 milhares de euros para 70.415 milhares de euros.
Alguns dos Passivos Não Correntes mais relevantes da Sporting SAD foram clubes, nomeadamente:
– Famalicão FC SAD (montante de 6.836 milhões de euros);
– FC Porto SAD (montante de 4.983 milhões de euros);
– Wolverhampton Wanderers FC (montante de 4.403 milhões de euros);
– FC Midtjylland (montante de 4.200 milhões de euros);
– FC Barcelona (montante de 4.200 milhões de euros).
No que respeita a outras entidades como Empresas ou Agentes, ressalvam-se:
– Gestifute – Gestão de Carreiras Desportivas, S.A (montante de 8.545 milhões de euros);
– MRP Positionumber FZE (montante de 2.842 milhões de euros);
– D20 Sports, Lda (montante de 1.394 milhões de euros);
– M9M7 Soccer Family LTD (montante de 1.180 milhões de euros).
No caso dos Financiamentos obtidos de curto prazo, verificou-se também um aumento de 56.645 milhões de euros para 60.010 milhares de euros.
A Demonstração de Resultados:
No que respeita à demonstração dos resultados para os períodos findos em 30 de junho de 2023 e 2022, apesar do resultado líquido ter sido bastante positivo, tal apenas ocorreu graças a “Receitas Extraordinárias”, nomeadamente as da UEFA e transação de jogadores.
Analisando os Rendimentos e Ganhos Operacionais sem transações com jogadores, no Relatório & Contas | Resultados 2022/2023, este indicador apresentou um ligeiro aumento, passando de 122.659 milhões de euros para 125.136 milhões de euros.
No caso das Vendas e Prestações de Serviços, uma das rubricas mais relevantes de Rendimentos e Gastos Operacionais, verificou-se um ligeiro aumento, passando de 72.744 milhões de euros para 77.454 milhões de euros.
No caso das Vendas e Prestações de Serviços salientam-se os seguintes pontos:
– Direitos Televisivos (ligeiro aumento de 26.632 milhões de euros para 28.378 milhões de euros);
– Receitas de Bilheteira e Bilhetes de Época (passaram de 17.175 milhões de euros para 19.589 milhões de euros).
No que respeita aos Gastos e Perdas Operacionais sem transações com jogadores, verificou-se um aumento muito relevante, passando de 110.708 milhões de euros para 131.044 milhões de euros. Neste aumento foram relevantes o incremento dos Gastos com Pessoal (passando de 67.087 milhões de euros para 76.457 milhões de euros) e os Fornecimentos e Serviços Externos (passando de 29.905 milhões de euros para 35.889 milhões de euros).
Este aumento dos Fornecimentos e Serviços Externos foi centrado em 3 rubricas:
– Gastos em Subcontratos, passando de 9.700 milhões de euros para 10.885 milhões de euros;
– Gastos em Trabalhos Especializados, passando de 3.550 milhões de euros para 4.400 milhões de euros;
– E a despesa com organização, deslocações e estadias de jogos, que passaram de 3.682 milhões de euros para 5.738 milhões de euros.
O aumento dos Gastos com Pessoal é um fator a ter em conta porque não possibilitou um aumento da competitividade da equipa de futebol do Sporting. Pelo contrário, a época 2022/2023 teve um resultado muito abaixo das expectativas gerais de Adeptos e Sócios tendo a prestação da equipa sido bastante inferior ao ano transato. Ainda, o incremento verificado deu-se mesmo apesar de uma relevante diminuição da despesa com prémios de desempenho e de performance desportiva, que passou 6.267 milhões de euros para 5.068 milhões de euros.
Por oposição, verificou-se uma trajetória de subida acentuada com a Remuneração do Pessoal, que passou de 47.903 milhões de euros para 57.349 milhões de euros. Este nível de despesas com Remuneração do Pessoal é o mais elevado desde a época 2017/2018, usualmente referida como a época do “All in” da anterior direção.
No que respeita aos Resultados Operacionais das Transações com Jogadores, passou-se de um resultado positivo de 23.754 milhões de euros para 46.752 milhões de euros. Esta diferença verificou-se devido a um grande aumento das Receitas com as Transações de Jogadores de 59.254 milhões de euros para 96.877 milhões de euros.
Com o aumento da despesa que se tem verificado com a compra de jogadores, há um aumento dos Gastos em Amortizações e Perdas de Imparidade do Plantel. Ou seja, passou-se de 25.999 milhões de euros para 38.608 milhões de euros.
Adicionalmente, verificou-se um aumento dos Gastos com Transação com Jogadores de 9.501 milhões de euros para 11.857 milhões de euros. Neste caso, o mais determinante:
– Aumento da despesa em comissões que passaram de 5.468 milhões de euros para 8.131 milhões de euros;
– Aumento da percentagem dos direitos económicos/mais-valias de 1.145 milhões de euros para 2.126 milhões de euros.
O incremento da despesa em comissões e percentagem dos direitos económicos/mais-valias resultou do aumento das transferências verificadas, sendo que estes gastos foram mais elevados no caso dos jogadores Matheus Nunes e João Palhinha (corresponderam a 4.935 milhões de euros e a 2.370 milhões de euros, respetivamente).
No que respeita aos Gastos Financeiros, estes passaram de 10.654 milhões de euros para 14.877 milhões de euros. Estes aumentos verificaram-se nas seguintes rubricas:
– Juros Suportados com Dívida Financeira – 9.124 milhões de euros para 10.955 milhões de euros;
– Juros com Cedência de Créditos Futuros – sem recurso – passou de 3.522 milhões de euros para 5.018 milhões de euros.
Por último, no que diz respeito à demonstração dos Fluxos de Caixa para os períodos findos em 30 de junho de 2023 e 2022, constata-se que no presente período, apesar do fluxo de capital das atividades operacionais continuar negativo, verificou-se uma importante melhoria face ao período homólogo: passou de 55.491 milhões de euros negativos para 41.804 milhões de euros negativos. No entanto, esta evolução positiva veio de Receitas Extraordinárias,como os recebimentos de clientes, UEFA e empresas do grupo (passou de 84.427 milhões de euros para 101.553milhões de euros).
O facto de a equipa principal de futebol do Sporting ter acabado a época em 4º lugar na tabela classificativa na temporada 2022/2023 poderá destabilizar a tesouraria no curto prazo, obrigando a SAD a proceder à venda de jogadores no próximo ano.
No que diz respeito aos Pagamentos a Fornecedores e empresas do grupo, o valor aumentou ligeiramente, passando de 58.885 milhões de euros para 59.596 milhões de euros.
Os Fluxos de caixa, as entradas e saídas de dinheiro:
Relativamente ao Fluxo de Caixa das atividades de investimento, passou-se de 313 mil de euros para 58,430 milhões de euros. Para este cenário foi fundamental o aumento dos recebimentos com as vendas de jogadores verificados durante o período (de 45,227milhões de euros para 120,875 milhões de euros).
No que respeita aos pagamentos das contratações, ditos Ativos Intangíveis – plantel, passou-se de 42 milhões de euros para 60,121 milhões de euros.
Como os Fluxos de Caixa de Atividades Operacionais e Fluxos de Caixa das Atividades de Investimento se tornaram positivos, não foi necessária a contração de financiamento externo. Assim, os Fluxos de Caixa das Atividades de Financiamento tornaram-se negativo, passando de 50.422 milhões de euros para -12.879 milhões de euros (negativos), devido ao pagamento de juros e à amortização de capital.
Adicionalmente houve uma evolução positiva ao nível da liquidez imediata. A situação ao nível da caixa, que apresentava um valor reduzido de apenas 4.886 milhões no início do período, passou a 8.633 milhões de euros no final do período.
Conclusão:
Apesar das contas anuais da Sporting SAD apresentarem um resultado positivo, neste Relatório & Contas | Resultados 2022/2023, uma diminuição do endividamento e um aumento da liquidez, os factos que permitiram esta evolução positiva são circunstanciais e provenientes de receitas extraordinárias. Ainda, no que respeita à “despesa mais estrutural”, nomeadamente Gastos com Pessoal ou Fornecimento e Serviços Externos, verificou-se um aumento relevante, sem acompanhamento do aumento da competitividade da equipa sénior do Sporting. As contratações para a época 2023/2024 parecem ter mais critério, mas sem a participação recorrente na Champions League os problemas de liquidez da Sporting SAD podem vir a acentuar-se.
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João Alcobia, Sócio 64.801
Economista, especialista em Mercados Financeiros e Análise Económica, aluno de doutoramento no ISEG